VALE TUDO - ONTEM, HOJE E SEMPRE?
- CARLA KIRILOS

- 10 de nov.
- 3 min de leitura
Trinta e seis anos se passaram desde que o Brasil se despediu da primeira versão da novela Vale Tudo, mas a pergunta que atravessou gerações ainda soa desconfortável: vale a pena ser honesto no Brasil?

Foto: Reprodução/Globo
Eu não assisti ao remake que terminou recentemente. Preferi manter as lembranças da versão original, aquela dos anos 1980, que fazia o país inteiro discutir ética, corrupção e desigualdade — num tempo em que televisão ainda unia o Brasil em torno da mesma sala.
Naquela trama, Raquel, mulher íntegra e batalhadora, enfrentava o cinismo de Maria de Fátima, sua filha ambiciosa e disposta a tudo para subir na vida. De um lado, o suor; do outro, o atalho. Entre as duas, um país inteiro dividido entre a retidão e a esperteza — o mesmo país que, décadas depois, parece ainda não ter escolhido seu lado.
O Brasil de hoje é, em muitos aspectos, o remake dessa história. Mudaram as roupas, os cenários, os discursos — mas o enredo segue o mesmo. Vivemos em um tempo em que a esperteza continua a ser confundida com inteligência, e a honestidade, com ingenuidade.
O “vale tudo” não é mais um título de novela, mas um modo de operação nacional.
Agora, ele se expressa em curtidas, influências e narrativas; o palco é digital, e os personagens, reais.
Na época de Raquel e Maria de Fátima, o conflito moral ainda causava incômodo. Hoje, provoca tédio. O problema não é mais o choque entre ética e corrupção — é a indiferença diante dele.
A sociedade se acostumou ao escândalo, ao desvio e ao discurso cínico. A indignação virou performance: denuncia-se nas redes, compartilha-se o absurdo, e logo depois, tudo volta ao normal, como se a moral tivesse prazo de validade.
O “Vale Tudo” moderno é menos um grito de revolta e mais um retrato de apatia. Nesse cenário, Odete Roitman volta a fazer sentido — não apenas como vilã, mas como símbolo.
Seu desprezo pelo Brasil (“tudo de bom é de fora”) reaparece hoje em novas versões: nas elites econômicas que tratam o país como ativo de investimento, nas classes médias que enxergam a pátria com vergonha e nos discursos que flertam com a descrença como se fosse lucidez.
Odete não morreu — apenas trocou o colete de paetês pelo cinismo sofisticado de quem acredita que ética é um luxo para tempos calmos.
Enquanto isso, Raquel resiste. Ela é o trabalhador comum, o empreendedor que não sonega, o professor que cumpre carga horária, o cidadão que ainda acredita no mérito do esforço. Raquel é a metáfora da integridade em meio à descrença — e é justamente por isso que incomoda.
Porque, em um país acostumado a aplaudir o “jeitinho”, o comportamento ético parece subversivo.
A Raquel de hoje vende seus sanduíches em silêncio, sabendo que a honestidade pode não render lucro, mas ainda é a única moeda que conserva valor.
O remake de Vale Tudo terminou, mas a novela nacional continua em exibição diária — nas manchetes, nas redes e nas ruas.
O roteiro é previsível: quem trapaceia vence; quem é correto paga o preço.
Mas o desfecho ainda está em aberto, porque a pergunta permanece ecoando: vale a pena ser honesto no Brasil?
Talvez a resposta esteja na mesma sabedoria biblica que já nos orientava antes de qualquer telenovela:
“Melhor é o pobre que anda na sua integridade, do que o de caminhos perversos, ainda que seja rico.” (Provérbios 28:6)
No fim das contas, o verdadeiro “vale tudo” é moral: até onde estamos dispostos a ir — ou a não ir — para manter a consciência em paz?
Enquanto houver quem escolha a integridade, mesmo sem aplausos, talvez ainda reste esperança de que, um dia, essa reprise termine com outro final.
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“O “vale tudo” não é mais um título de novela, mas um modo de operação nacional” Reconhecer que isto é um fato da muita tristeza e sentimento de impotência. Texto muito bom, Carla! Siga lutando com o jeito que você pode. Luiza Maria
“Odete Roitman volta a fazer sentido — não apenas como vilã, mas como símbolo.”
Um símbolo de algo que passou a ser aceito, não questionado…Isso mostra o quanto pioramos nossos valores.
Namastê!
A TV Globo luta para manter o público noveleiro na audiência, uma vez que as gerações 00 e Z não mais se interessa pelo gênero novela, descobriram as séries, animes e se esconderam em seus quartos e se distanciaram da tela média, pois se satisfazem com as minúsculas dos celulares e, por isso, os remakes estão sendo cada mais frequentes, alguns bem sucedidos como Pantanal, outros nem tanto como Renascer e alguns fracassos... Já se fala em fazer remake de Avenida Brasil... A novela Pantanal mostrou o que perdemos de verde e de água, Vale Tudo apresentou a contínua decadência dos bens éticos e morais e Renascer revelou que a desigualdade ainda persiste e continuará por muito tempo... Parabéns, Ka…
Vi a novela original e assisti ao remake e dói ver que, infelizmente, nos que diz respeito a ética e valores o Brasil até piorou. Excelente texto, amiga! Beijos, Ana
Excelente reflexão, Carla! Infelizmente o pensamento coletivo do Brasil não se alterou em quase quatro décadas. Ser honesto é, e ainda será por muito tempo, um ato de resistência.