ELES MEXERAM NO QUE É SAGRADO

Sim, estou indignada!

Eis que abro o site do Gov.br e me deparo com a seguinte manchete: “Operação combate descontos não autorizados de aposentados e pensionistas; valor pode chegar a R$ 6,3 bi.”

Há crimes que nos revoltam. Outros nos entristecem. Mas há aqueles que ultrapassam qualquer classificação moral: são perversões institucionalizadas, cometidas contra quem já deu tudo de si. Esta semana, o Brasil testemunhou mais um desses atos imperdoáveis — um escândalo de fraude na Previdência, que desviou dinheiro de aposentados. Aposentados! Como se já não bastassem as filas, os contracheques apertados e os remédios cada vez mais caros. Estamos diante de um roubo com assinatura oficial. Não é um ladrão de esquina. É um sistema que se vale da complexidade para se esconder. É uma engrenagem corroída, que precisa urgentemente ser exposta, revista, punida.

E o mais revoltante? Não é a primeira vez. Fraudes no sistema previdenciário brasileiro são reincidentes, vergonhosamente recorrentes. E mesmo assim — ou talvez justamente por isso — as autoridades têm a ousadia de nos dizer, com aquele tom técnico e gelado, que a Previdência é deficitária, que o sistema não se sustenta, que é preciso “reformar” para “salvar”. Como confiar em quem finge apagar o fogo jogando gasolina?

É um ciclo viciado de impunidade, de manipulação narrativa, onde os culpados seguem blindados e os inocentes continuam pagando a conta.

Sou aposentada. E, ao escrever isso, não me refiro apenas ao fato de receber um benefício mensal depois de uma vida inteira de contribuição. Refiro-me a tudo o que entregamos: anos de trabalho, noites mal dormidas, dias dedicados a formar gerações, construir o país, pagar impostos. Aposentar-se no Brasil, para muitos, é quase um ato de resistência. E ver esse pouco ser roubado por dentro, com requintes de crueldade burocrática, é como levar um tapa de quem deveria lhe dar o braço.

Esse não é apenas mais um escândalo financeiro. É um colapso moral. Onde foi parar o senso de justiça, de responsabilidade, de vergonha na cara? Gente graúda rouba, desvia, frauda e continua circulando com suas gravatas, suas pastas pretas, seus carros blindados — enquanto o idoso, na fila do INSS ou do SUS, anseia por atendimento. É essa a equidade prometida?

Não se trata apenas sobre cifras. É sobre valores. É sobre ética, ou melhor, sobre a ausência completa dela. É sobre o Estado que vira as costas para quem já carregou tanto nas costas. E sobre a frieza com que se tratam vidas, histórias, direitos.

A quem interessa uma sociedade que normaliza esse tipo de violência? Que tipo de liderança dorme tranquila após conivência ou omissão diante de algo assim? Quando foi que nos tornamos tão tolerantes com o intolerável? Não é possível que naturalizemos isso. Que passemos pano, que achemos que “tudo bem, é só mais um caso”. Não é mais um caso. É mais uma ferida aberta em milhares de brasileiros esquecidos. Mexeram no que é sagrado. Mexeram em nós.

E sabe o que mais me impressiona? É saber que a Bíblia já denunciava esses tempos:

“Ai dos que fazem leis injustas, dos que escrevem decretos opressores, para privar os pobres dos seus direitos e da justiça os oprimidos do meu povo...” (Isaías 10:1-2)

Está escrito. E continua atual. Talvez mais do que nunca. Mas Isaías não apenas denunciava — ele convocava. É um "ai" que pesa sobre quem comete a injustiça, mas também sobre quem silencia diante dela.

Como cidadã, grito: Basta! O que foi revelado esta semana exige mais do que notas de repúdio e promessas de apuração. Exige justiça, responsabilidade e memória. Porque, se esquecermos, permitiremos que aconteça de novo.

Como aposentada, exijo respeito. Não se trata de favor. Trata-se de direito. E direito, quando violado, vira luta.

Por isso, escrevo. Falo. Provoco. Porque o silêncio também é roubo. E você, vai se calar?

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