DO FERRORAMA ÀS FAKE NEWS
- JEFFERSON LIMA
- 6 de jun.
- 4 min de leitura

Numa cidade do interior, nasci no final dos anos 70; portanto, fui uma criança dos anos 80 e um adolescente dos anos 90. Décadas efervescentes, marcadas por muitas transformações e expectativas quanto ao futuro, em meio a uma avalanche de “modernidades” que nos encantavam.
Guardo boas lembranças dos recreios na escola, onde, ainda sob o efeito hipnótico do filme De Volta para o Futuro, fazíamos suposições sobre os carros voadores que teríamos nos anos 2000. Depois de assistir ao incrível Top Gun, alimentei por um bom tempo, o sonho de um dia entrar para a Aeronáutica.
Divertíamo-nos com os Ataris e com as inúmeras opções de brinquedos da Estrela – tenho aqui, montado e funcionando, um Ferrorama XP-400, que ganhei aos sete anos. Evidentemente, também nos divertíamos com as brincadeiras de rua (pega-ladrão, rouba-bandeira, pau-na-lata, pique-esconde e muitas outras). Na pré-adolescência, éramos inocentes, puros e bestas – como diria Belchior – brincando de “caí no poço”. Impossível, para os adolescentes de hoje, sequer mensurar como era bom!
Mais um pouco, e já ouvíamos as notícias sobre a chegada do telefone celular. Quanto avanço! Em 2000, tive o meu primeiro Nokia 5120, com o viciante “jogo da cobrinha”. Hoje, parece piada! Ainda não existiam as redes sociais; a internet era discada e servia para enviar e-mails, usar o MSN ou entrar nas aleatórias salas de bate-papo.
Por mais de dez anos, fui assinante da revista Superinteressante e acompanhava avidamente as pesquisas, os avanços científicos e a concretização de muitos progressos em nossa realidade. Ingênuo, acreditei que, com maior acesso à informação, à medida que a internet avançasse, as pessoas se tornariam mais sábias, sensatas, coerentes e racionais.
Então, chegamos aos nossos dias – e que dias!
Estamos prestes a fechar o primeiro quarto do novo século. Carros voadores e autônomos ainda são protótipos, da mesma forma que ainda fazem parte de um sonho distante a sapiência, a sensatez, a coerência e a racionalidade dos seres humanos.
É inegável que, em poucas décadas, avançamos séculos. No entanto, algo se descompassou nesse avanço.
Hoje, me espanto com a patrulha antivacina – logo as vacinas, que foram consideradas um dos maiores avanços do século XX, agora são vítimas de falsas notícias e são a causa de discussões acaloradas e sem fundamento.
Como se não bastasse, os noticiários das últimas semanas me fizeram querer chorar, no entanto, por vezes, me peguei rindo dos absurdos desse nosso tempo.
Enquanto alguns homens sobem montanhas deixando rastros de lixo, em busca da masculinidade ancestral perdida, mulheres embalam bonecas e reivindicam o direito à “maternidade reborn”.
A fé, que antes era um lugar sagrado, terreno ocupado por devotos fiéis e líderes sérios e idôneos, teve seu espaço tomado por exploradores, pedófilos, abusadores de toda sorte e gente sem qualquer escrúpulo na arte de ludibriar. Num recente episódio tragicômico, surgiu até a figura do “pastor mirim”, numa clara demonstração de como se pode, ao mesmo tempo, manipular e roubar a saúde mental de um adolescente de quatorze anos, enquanto se explora uma multidão de gente que segue a manada sem qualquer pensamento crítico.
Aos líderes que não se corromperam, que entregam uma mensagem íntegra e vivem suas vidas pautadas na retidão, resta o sacrifício de nadar contra a maré, tentando provar, o tempo todo, que em meio a esse mar revolto de ondas hostis, ainda é possível encontrar alguns oásis que prezam por uma espiritualidade sadia e por pessoas honestas.
É sabido e noticiado que parte da população perde dinheiro e alma nas mordidas de um “tigrinho”, porém, quando se abre uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar aqueles que dormem em berço esplêndido, construído sobre o azar alheio, somos obrigados a assistir a um senador da República pausando um interrogatório para “fazer uma selfie” com a depoente.
Em sequência, num espaço de poucos dias, no mesmo Senado Federal, uma ministra de Estado – cuja vida é pautada pela luta em defesa da causa ambiental – foi covardemente atacada em sua condição de ministra e de mulher, além de ser acusada, por alguns senhores, de trabalhar contra o progresso do país por sua “obsessão” em não conceder licenças ambientais sem os devidos estudos.
– “Se ponha no seu lugar!” – foi o que disse o presidente da sessão à ministra.
Ah, mas a notícia que tomou as redes sociais na mesma semana, foi o anúncio do fim do casamento da moça do “tigrinho” ... (sem comentários!)
Nessa era de tanta acessibilidade, de tantas bandeiras hasteadas, há quem dedique tempo a propagar, intencionalmente, notícias falsas que, inacreditavelmente, acabam tendo mais credibilidade do que as informações verdadeiras. É triste observar que, nessa “lavoura das informações”, a maior parte das pessoas não está interessada em separar o joio do trigo. Se nesta plantação a fartura é de joio, vamos comer até empanturrar!
E, por fim, chegamos à era da inteligência artificial, que tanto pode ser uma excelente ferramenta para facilitar as nossas tarefas, como também pode se tornar uma arma poderosa nas mãos de pessoas inescrupulosas.
Enquanto as IAs invadem nossas vidas, escrever aqui no Bendita Existência tornou-se um ato de resistência. Dedicar tempo pensando um tema, trabalhando as ideias e construindo os parágrafos, na tessitura de um texto orgânico e artesanal, não nos livrará da pergunta: Você mesmo escreve os seus textos ou usa IA? – ainda mais se for um texto literário ficcional.
Sejamos resistência por meio do pensamento crítico e da busca de informações seguras.
Enquanto desfrutamos do melhor que o nosso tempo nos oferece, que as nossas lutas sejam pelo bem do planeta e de todos os que aqui habitam. Sejamos gratos por existir nesta era incrível, de tantas descobertas e facilidades.
Como já escreveu certo poeta contemporâneo, em suas cartas intituladas Segundo Neurônios, “Ouça boas músicas, leia os poetas e honre os educadores. Que a nossa bandeira seja o amor, a nossa guerra por justiça e as nossas orações, pela paz”.
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Escrever textos belíssimos já é uma característica de Jefferson Lima. Mas esta crõnica Do Ferrorama às Fake News é de uma beleza sem par, pois resgata, na primeira metade, as delícias da infância da penúltima geração de crianças sem celular. O autor não escreve para sutentar um saudosismo simplista, mas para valorizar um tempo e um espaço que marcou seus dias puerís com cantos e encantos, heróis, brincadeiras, sonhos e fantasias arraigados em aspectos culturais que o arremessaram em direção ao futuro e legaram ricos manciais para a pesquisa de gerações posteriores. Na segunda metade do texto, o autor aborda os avanços tecnológicos dos anos 10 e constrói uma crítica riquíssima dos modelos comportamentais que caminha, ora pelas sendas …
Creio que todos que lerem seu texto, Jefferson, bate o olho nessa tese e segura. "Sejamos resisência por meio do pensamento crítico e da busca de informações seguras."Críticos em defesa do bem viver e segurança na colheita do trigo que é árdua em meio à colheita do joio, tão aceita como a do trigo. Se pelo menos conseguirmos isso, não paramos o mundo, mas evitamos o avanço das mazelas da destruição e da matança. Seu texto nos oferece uma leitura confortável.
“Sejamos resistência por meio do pensamento crítico e da busca de informações seguras.” Preciosíssimo Jefferson Lima. Escrita sensivel e nostalgica, mas importante nesse tempo e aquem desse tempo. Parabéns.
“Sejamos resistência por meio do pensamento crítico e da busca de informações seguras.” Creio que este é o ponto chave, Jefferson. Não iremos sucumbir aos devaneios midiáticos, se Deus quiser. Excelente reflexão nos traz seu texto! 👏👏 Carla Kirilos
Sensacional seu texto, Jefferson. Você aborda com mestria as mazelas e as benesses desse tempo em que vivemos. Mas sejamos gratos e resistentes sim, porque viver vale a pena. Parabéns, amigo.