LER PARA COMPREENDER
- JEFFERSON LIMA
- 11 de jul.
- 4 min de leitura
Desde criança, sou um leitor voraz. Quando a professora do pré-primário nos levou à biblioteca da escola pela primeira vez, ela plantou uma semente que mudou a minha vida.
Curiosamente, a biblioteca da Escola Estadual Rúmia Maluf não ficava dentro do prédio escolar, mas em uma praça em frente, bem no centro do bairro Satélite, na cidade de João Monlevade. Isso era ótimo, pois cresci frequentando a biblioteca mesmo fora dos horários de aula — inclusive nas férias.

É impossível esquecer as primeiras letras através do livro O Barquinho Amarelo, de Iêda Dias da Silva, ou das histórias clássicas como Os Três Porquinhos, Dona Baratinha, Branca de Neve e os Sete Anões, Pinóquio, entre outras.
Ao longo daqueles primeiros anos, encantei-me com o livro O Mágico de Oz, de L. Frank Baum. Acompanhando a aventura da menina Dorothy e seus amigos — o Espantalho, o Homem de Lata e o Leão — tive, ao que me recordo, minha primeira emoção profunda por meio da leitura. Fiquei com um nó na garganta e lágrimas nos olhos ao ver que o Homem de Lata, enfim, descobria a magia dos sentimentos.
Monteiro Lobato não apenas me encantou com os personagens do Sítio do Picapau Amarelo, mas também me apresentou Os Doze Trabalhos de Hércules, despertando em mim uma curiosidade precoce pela Mitologia Grega. Na mesma época, a coleção As Mais Belas Histórias da Bíblia, de Arthur S. Maxwell — editada pela Casa Publicadora Brasileira — me conduzia por narrativas bíblicas fascinantes, distribuídas em dez volumes notáveis, cada um com cerca de duzentas páginas.
As leituras da infância forjaram minhas emoções e minha paixão pelos livros. Como esquecer os poemas de Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa? Como não gostar do Menino Azul, que não sabia ler e só queria um burrinho que lhe contasse sobre as coisas do mundo? Ou como não me identificar com aquele menino magrelo que gostava de brincar na chuva?
Hoje, fico emocionado com a força de Belonísia e Bebiana. Observar as personalidades de Ivan, Dmítri e Aliocha Karamázov faz-me refletir sobre nossas atitudes diante da vida.As mulheres machadianas, com seus desejos e dilemas tão humanos, questionam não apenas os padrões de outros tempos, mas também convergem com as lutas contemporâneas.
“Guarda estes versos que escrevi chorando como um alívio à minha saudade, como um dever do meu amor; e quando houver em ti um eco de saudade, beija estes versos que escrevi chorando.”
(Machado de Assis)
Quantas vezes, por necessidade ou conveniência, nos camuflamos como Diadorim? Ou, por temer as reações alheias, nos adequamos às convenções e escondemos os nossos sentimentos, como Riobaldo?
Qual seria a motivação do perdão de Dalva a Venâncio? Incapacidade de se manter? Sintoma de dependência emocional? Ou, quem sabe, trata-se de um perdão genuíno, de alguém que decide passar uma borracha na mágoa e recomeçar? É tão difícil compreender — e tão fácil julgar com as lentes do nosso tempo. Mas será que não cabe a reflexão?
Talvez, entre aqueles que amamos, exista alguém que tenha se identificado com a história de Verônika, personagem de Paulo Coelho, que em dado momento pensou em desistir de viver e, felizmente, encontrou quem se dedicou, de alma inteira, a impedir que o desespero interrompesse o seu estradar nesta existência.
Quantas frustrações estão espelhadas no drama do Seminarista, personagem de Bernardo Guimarães? Quanta realidade foi exposta na crueza das letras de Jorge Amado? José de Alencar, em Iracema, teria contribuído para a erotização da mulher indígena?
Hoje, temos a tendência de cancelar escritores e obras que contradizem nossos valores. Mas não seria uma boa opção refletir, compreender os processos, os caminhos que nos trouxeram até à consciência atual — e reforçar o aprendizado para que a geração presente siga evoluindo e prepare um mundo mais lúcido para os que vierem depois?
O aprendizado é lento; há tropeços e quedas no caminho. Por vezes, será necessário ter a força e a resiliência de Kehinde, personagem de Um Defeito de Cor; em outras, a paciência e persistência de Mario Jiménez, de O Carteiro e o Poeta.
No livro Voltei Formiga, meu saudoso amigo Mauro Brandão apresentou o personagem Carlos Darwin, que precisou conhecer um outro lado da existência para que sua consciência fosse tocada pela sensibilidade — e, só assim, se expandisse. Dura lição, não?
Com este texto, meu desejo é que a literatura, mais do que diversão, seja uma boa amiga — que nos inspire e nos ensine. Que as histórias, reais, ficcionais ou distópicas, nos apontem caminhos de evolução.
Que possamos nos reconhecer, em nossas virtudes e contradições e, dessa forma, como Ebenezer Scrooge — personagem do Conto de Natal, de Charles Dickens —, tornemo-nos pessoas melhores ao fecharmos mais um livro.
“Eu quero desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram. Desencaixotar emoções, recuperar sentidos.”
(Rubem Alves)
Que assim seja.
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Este maravilhoso texto seu é um um exemplo de como é feito um leitor. Você fez uma viagem pelo mundo das suas descobertas num lindo jogo intertextual. Sua citações deixaram-me saudoso de Cecília, de Henriqueta, de o mágico de Oz e do Mauro Brandão. Em relação à Iracema poderíamos marcar uma conversa.
Parabéns por nos lembrar e por não nos deixar esquecer que a leitura é uma grande riqueza. Um bem maior. Felizes são queles que leem, pois deles será o reino da sabedoria e da beleza.
Oi Jefferson, sua história tem muita coisa em comum com a minha. Só não tive biblioteca, sua época um pouco mais recente que a minha. Na minha, não havia biblioteca. Quem quisesse um livro era comprado. Olha que a gente nem sabia onde comprar naquela cidadezinha pobre e pequena. Os autores que você citou são alguns de meus prediletos. Monteiro Lobato, Cecília Meirelles, Machado de Assis, José de Alencar, Rubens Alves, Guimarães Rosa e as histórias infantis. Aprendi a ler decorando "Os Três Porquinhos". Recordar traz um alívio, uma lembrança boa, uma vontade de fazer melhor. Maria Anésia
Ah! Coisa linda de se ler! Que conversa boa! Travesseiro macio e cheiroso!
Como você é culto, sensível e provocador! Adorei os livros que você mencionou! Muitos deles já li, e outros até anotei. Suas reflexões somarão às minhas e sim, literatura é acalento, companhia, terapia, entretenimento, ensinamento, salvação... É tudo. Por isso, prestei vestibular para o curso de letras/literatura, agora aos 64 anos. Hehehe satisfação pessoal.
Gostei da sua observação para o personagem de Voltei Formiga, do saudoso Mauro Brandão!
Parabéns pelo texto! 👏
Jefferson,uma grande descoberta fiz na minha vida: a literatura foi o remédio que me salvou, me fez dependente e para sempre me libertou da falta de entendimento sobre o viver - a literatura nos oferece muitas possibilidades de crescer em entendimento.
Namastê!
Também sou leitora voraz desde criança. Amo ler! Amo viajar e viver através dos livros. Seu texto me trouxe boas recordações e o sincero desejo que outras gerações possam viver tantas coisas boas através da Literatura. Parabéns! Beijocas, Carla Kirilos