DOR-INHA E SEU INCONSCIENTE
- TEREZINHA ARAÚJO

- 23 de out.
- 4 min de leitura
A luta do neurótico com seu inconsciente é uma batalha silenciosa, intensa e profundamente humana. Ele vive dividido entre o que sente e o que acredita dever sentir, entre o que deseja e o que se permite desejar. Há uma tensão constante como se uma parte de si quisesse falar, gritar, e outra se esforçasse para calar.

No caso de Dor-inha, seu cotidiano mostra uma mulher forte, racional, controlada demais. Mas dentro dela, há um conflito que não cessa, enviando sinais em sonhos, lapsos, sintomas e angústias. Seu corpo tem sido o alvo principal de sua dor emocional; cada dia uma dor inexplicável, que nenhum médico encontra a causa; ansiedades que aparecem até em momentos que julga estar totalmente relaxada; sentimentos de não estar fazendo nada certo, insegura em suas menores escolhas, um cansaço sem fim.
Ela sempre tenta organizar sua vida conforme as expectativas dos outros, buscando ser boa filha, boa mãe, boa profissional, boa mulher.
Mas bem sabemos que o inconsciente não obedece a regras sociais. Ele cobra o preço de cada renúncia, de cada sentimento interditado. A neurose nasce justamente desse conflito: “O que o Outro quer de mim?” em vez de “O que eu quero de fato?”
A neurose é, portanto, um modo de evitar o encontro com o próprio desejo, pois desejar pode ser perigoso: implica perdas, faltas, riscos.
DIALOGANDO COM O INCONSCIENTE
Dor-inha: Eu não entendo… por que essa angústia aparece do nada? Está tudo bem, mas eu sinto um aperto, como se faltasse o ar. Eu achava que me conhecia, mas o que eu quero fazer, não faço, não falo...sempre falando mais ou memos que gostaria. Busco no meu inconsciente o motivo de agir assim, o vejo como um depósito de lembranças, que poderia me ajudar a me entender… mas sempre me escapa.
Toda vez que tento te entender, você muda de forma...
Inconsciente: Porque eu não sou lembrança. Sou o lapso, o tropeço da tua fala. Sou o erro que revela o que você tenta esconder.
Dor-inha: Então você é o que me trai?
Inconsciente: Eu não te traio. Eu te mostro o que você finge não saber. Quando sua boca diz “não quero”, e seu gesto diz “sim”, aí sou eu quem fala.
Dor-inha: E o que você quer de mim?
Inconsciente: Eu nada quero. Quem deseja é você, mas não sabe o que deseja, sua capacidade de não saber aquilo que sabe, é impressionante. Você foge de você todo o tempo.
Dor-inha: (angustiada) Então é isso o desejo? Essa falta que nunca se preenche?
Inconsciente: Sim. O desejo remete a um vazio, próprio do ser humano. Quando você acredita ter o que quer, ele morre. Você existe porque algo te falta, e sempre faltará.
Dor-inha: Mas essa falta me atormenta. É como um buraco no peito.
Dor-inha: Então o que eu sou, afinal?
Inconsciente: Você é um sujeito dividido. Entre o que diz e o que cala, entre o que quer e o que teme. Entre o prazer que busca e a culpa que a censura.
Dor-inha: E o sintoma? Essa ansiedade, essas dores que não tem causa, e não cessam?
Inconsciente: O sintoma é minha assinatura. É onde o recalcado insiste em retornar. Você o chama de doença, mas ele é uma mensagem: “Olhe para o que você fez calar.”
Dor-inha: Então eu nunca serei inteira?
Inconsciente: Inteira? Isso é fantasia. Você só existe porque é falta, e é na falta que o desejo se sustenta. Sem falta, não há amor, nem palavra, nem vida.
Dor-inha: E o amor? É também um engano?
Inconsciente: O amor é o esforço de dar ao outro o que não se tem. É a tentativa de fechar a fenda do ser com o espelho do outro. Por isso, dói, porque nunca encaixa completamente.
Dor-inha: Então por que continuar amando, desejando, buscando?
Inconsciente: Porque, mesmo sabendo da falta, você insiste. E é nessa insistência que mora a beleza e a tragédia de ser sujeito.
“Cada um sabe a dor e a delicia de ser o que é”. Caetano Veloso
Dor-inha: Eu começo a entender…sou um ser fragmentado. Você não quer me destruir. Quer que eu me escute.
Inconsciente: Exatamente. Eu falo, mas você precisa se autorizar a escutar. Sou teu espelho rachado — e é nele que sua verdade aparece.
Dor-inha: Então… preciso aprender a viver com o que me falta.
Inconsciente: E assim, talvez, comece a se descobrir como ser de desejo, para além do outro.
Na análise, Dor-inha inicia o escutar do que antes queria silenciar. Descobre que o inconsciente não é o inimigo, é parte dela, uma verdade que pede reconhecimento. A luta, então, transforma-se: deixa de ser guerra e torna-se travessia. O sintoma, que antes a aprisionava, passa a ser uma pista, um convite à escuta de si mesma.
No fim, sua maior conquista não é eliminar o conflito, mas aprender a habitá-lo com menos culpa e mais liberdade.
Na análise, o sujeito não “cura” a neurose no sentido médico. Ele reconhece o próprio conflito e assume responsabilidade pelo próprio desejo. O sintoma perde força quando o sujeito deixa de lutar contra o inconsciente e começa a escutá-lo.
DORINHA se escutando tem mais chances de fazer escolhas que lhe causem menos dores, menos ansiedade e possa saber mais de si e menos dos outros. Pode reconhecer o que em si deseja, e não viva apenas para satisfazer o Outro.
Terezinha Araujo
Coluna Relações Humanas
BLOG: Bendita Existência
Até Breve!
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Reconhecer a origem de um conflito é o grande passo para iniciar o longo processo de cura.
Namastê!
Excelente texto, Terezinha! Gostei da sacada de criação desse diálogo, tão necessário e que requer coragem para começar.