SOBRE ABACAXIS, CELEBRAÇÕES E SIGNIFICADOS
- JEFFERSON LIMA

- 5 de dez.
- 8 min de leitura
Atualizado: 5 de dez.

Quinze de novembro. Feriado. Para quem trabalha de segunda a sexta, um sábado como todos os demais do calendário. Talvez.
Por ser feriado nacional, havia menos ônibus circulando; um ou outro comércio aberto.
Enfim, o movimento nas ruas estava ligeiramente menor do que comumente se vê aos sábados.
Perto da hora do almoço, parei para comprar alguns abacaxis num desses caminhões que ficam nas esquinas vendendo a fruta – ou pseudofruto, como diriam os botânicos – e eis que, entre escolher os abacaxis e efetuar o pagamento, o simpático vendedor saca a seguinte pergunta:
− Hoje é feriado, moço?
−Sim. Apesar de ser sábado, hoje também é feriado – respondi.
− Mas que feriado é esse? De quê?
− 15 de novembro. Dia da Proclamação da República!
−Proclamação da República... Esse governo cada dia inventa uma moda nova... – resmungou o pensativo e indignado vendedor.
− É feriado nacional, moço. Lembro que quando criança, na escola, já era feriado no dia 15 de novembro.
Dessa vez o silêncio foi a resposta.
Agradeci pelos abacaxis, desejei um bom final de semana e segui meu caminho.
Pronto. O gatilho para a crônica foi disparado. Meus pensamentos se dividiram em duas direções, que espero convergir até o final deste devaneio, que vem a calhar com o sexto aniversário do blog e, juntando tudo numa coisa só, como cantou O Teatro Mágico, vai desembocar naquilo que chamamos de significados.
Meu primeiro, inevitável e indignado pensamento a caminho de casa, foi em relação às falhas do nosso sistema educacional. Culpá-lo apenas, pode ser muito simplista. Mas ainda assim, não posso tomá-lo por inocente, pois a forma como as datas cívicas são tratadas nas escolas precisa passar por uma reformulação urgente.
Talvez os educadores que me leem tenham uma opinião mais assertiva a esse respeito. Apesar da minha formação em Letras, não tenho vivência docente o suficiente para apresentar soluções efetivas.
No entanto, fiquei pensando: onde falhamos, a ponto de encontrar alguém que foi alfabetizado e passou pelos bancos escolares, ainda que seja apenas os anos iniciais, e que não compreende a importância ou o significado das datas cívicas? Datas como 21 de abril, 7 de setembro e 15 de novembro, são apenas três datas que deveriam ser consideradas e entendidas pela nossa população.
Me lembro de quando criança, frequentando a Escola Estadual Rúmia Maluf, em João Monlevade. Além dessas datas, havia outras que precisávamos conhecer: o Dia do Índio – hoje, Dia dos Povos Indígenas – em 19 de abril; o Dia do Folclore, em 22 de agosto (que eu sempre reclamava, e ainda lamento, pelo fato de não ser feriado, já que também é o meu aniversário); o Dia do Livro, em 29 de outubro e o Dia da Bandeira, celebrado no dia 19 de novembro.
Produzir cartazes e fazer pesquisas sobre essas datas serviam para ampliar o conhecimento sobre o nosso povo e nossas origens. Isso nos dava uma percepção de país e sensação de pertencimento. Eu me sentia parte de uma nação independente, que se tornou uma república e tinha uma bandeira, com significados para cada cor.
Esse país tinha um folclore com suas lendas e costumes, muitos dos quais vindos de um povo que já estava por aqui quando as caravelas chegaram em nossas terras. O país que me foi apresentado era fruto de conspirações e lutas e todas podiam ser pesquisadas na biblioteca da escola. Afinal, cada escola possuía uma biblioteca onde, além de fazer pesquisas, podíamos pegar livros para ler histórias divertidas que alimentavam nossos sonhos e fantasias. O livro era algo tão importante, que até ganhou um dia para chamar de seu!
Não sei se tive a sorte de encontrar professores apaixonados pelo que faziam ou se eu era apenas um aluno observador demais. Provavelmente as duas coisas — e, claro, o fato de que nos anos 80 vivíamos outra realidade social.
Opa! Já ia me esquecendo do dia 15 de outubro, o Dia dos Professores. Nesse dia, a gente sempre levava um mimo para as nossas professoras – às vezes era um botão de rosas, arrancado do jardim de casa, ou uma singela margarida colhida a caminho da escola.
Mas voltando às ideias que borbulharam através da pergunta do vendedor de abacaxis, lembrei-me que está se aproximando o Natal. – Eis aí uma data que ninguém esquece. – Todos comemoram, inclusive o meu personagem, que terá um aumento exponencial nas vendas pré-ceia.
Evidentemente, sempre gostei de ganhar presentes no Natal. Minha primeira bicicleta, uma Monareta vinho, foi um presente de Natal. Na mesma data, a quarenta e dois anos atrás, ganhei um ferrorama. Cresci ganhando e dando presentes no dia 25 de dezembro. Gosto que seja assim. Me farto com uma boa ceia; acho bonitas as luzes coloridas e todo o clima de festa. Porém, não creio ser possível resumir o Natal a esses marcos. Qual o seu significado? O que ele realmente representa?
Não é a minha intenção fazer aqui uma apologia à obrigatoriedade de sermos ou não religiosos, mas chamar atenção para o fato de que celebrar em vão, desvaloriza qualquer data. Não quero cair na ilusão de que o Natal é uma data meramente comercial, onde as famílias se ajuntam – às vezes sem qualquer disposição – para comer e trocar presentes. Seria reducionismo da minha parte.
Quando conhecemos a origem da festa, seu protagonista e o que ele representa, tudo muda: presentes, encontros, presépios e ceias passam a ter outro sentido.
Moro em Santa Luzia, Minas Gerais. Aqui, todo mês de dezembro, as casas do centro histórico se abrem para que as pessoas entrem e visitem os tradicionais presépios. É um espetáculo! Os presépios são montados com muito esmero. Alguns chegam a ocupar o espaço de uma sala inteira. Mas independentemente do tamanho do presépio, todos eles se propõem a algo mais do que manter uma tradição centenária da cidade: eles contam a história do Natal.
Através dos presépios, adultos, jovens e crianças escutam – alguns, pela primeira vez – a história da mocinha que recebeu a visita do anjo da anunciação; do menino que nasceu na manjedoura, enquanto anjos cantavam no céu; da visita dos Reis Magos, que seguiram o sinal de uma estrela, e seus presentes para o menino. Nessas visitas, se ouve que aquele menino era Deus, que resolveu passar um tempo entre nós para nos ensinar os valores que, sozinhos, não conseguimos entender e praticar. Abrir a casa aos visitantes, já é, por si só, um gesto de partilha, de afeto e acolhimento.
Ao pensar nos presépios de Santa Luzia, me recordei de um conto do escritor Mauro Brandão. O Presépio do Menino Invisível conta sobre um menino muito pobre que, numa noite de Natal, perante o presépio montado sobre um prato, formado com bonecos quebrados, na simplicidade do barraco onde vivia com a sua mãe, resolveu conversar com o Menino Jesus.
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“— Irmão Jesus, eu posso te pedir uns presentes?
Na mesma hora, um dos anjos do presépio voou ao seu ouvido e lá cochichou. O meninozinho nem se espantou, como não se espantam os meninos aos seres voantes.
— Você pode falar o que quiser com o Menino Jesus que ele vai te responder. O Menino Jesus só ouve as crianças, porque delas é o Reino do Pai de todos os seres da Terra e de todo o Universo.
O meninozinho então falou, no mesmo sussurro que cuidava de não acordar a mãe:
– Jesus. Eu queria que as pessoas não fossem más, que os homens de carrão e das casas grandes parassem de querer ganhar muito dinheiro e não deixassem os pobres mais pobrinhos ainda, que os pais dos meus coleguinhas parassem de bater nas mães deles, que a gente não precisasse mais falar a palavra amor, pois se todo mundo gostar do outro, não vai ter outra coisa a não ser amor, e se só tiver amor, pra que a gente vai precisar falar de amor?
Eu queria que todo mundo fosse feliz, e que as pessoas parassem de matar e de roubar. Queria mais palhaços pra gente rir e menos tiros que zunam o céu. Queria pelo menos mais pão e uma comidinha todo dia, e só um tênis bonito. Queria que todo mundo tivesse uma mãe e um pai como você, pra todos serem alegres. Eu queria que as guerras acabassem, e que todos pudessem sorrir.
O Menino Jesus, do seu presépio, respondeu:
— Meu irmãozinho. Enquanto houver criança, uma flor vai nascer, o sol e a lua vão brilhar, a esperança vai viver, como viverá a beleza, a luz, a generosidade e o amor que morre e renasce todos os dias como a noite e o dia. Eu sou seu irmão e vou te acompanhar por toda a sua vida.
O Menino Jesus pediu para o menininho chegar o ouvido perto dele. O menininho dos olhos brilhosos e arregalados chegou feliz o seu ouvido ao irmãozinho Jesus Cristinho, que sussurrou:
— Nunca te esqueça destas palavras: “Nasce o menino, nasce a flor, nasce o sol, nasce a vida, nasce a esperança, nasce a beleza, nasce a luz, nasce o amor; nasce e renasce, morre e brota, escurece e clareia, vive e revive. Quando nasce uma menina, nasce a solidariedade, nasce a generosidade, nasce a vontade, nasce o nascimento, no coração dos homens, no coração das mulheres; nasce o menino, nasce a menina, nasce entre plantas, nasce entre animais, nasce uma estrela, e esta estrela guia os homens. Enquanto nascer o menino, como você, meu irmão menino, o homem poderá crer que será feliz”.” (1)
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Nesta última crônica do ano, celebro este espaço que, há seis anos, acolhe leitores em busca de sentido, reflexão e alguma esperança nessa Bendita Existência. Desejo que as nossas celebrações— cívicas, religiosas, familiares, profissionais ou simples momentos da vida — sejam sempre plenas de significado. Por mais simples que sejam, se existir um motivo verdadeiro para comemorar, nada será em vão!
Por fim, dedico versos meus para cada olhar poético que repousou sobre as nossas letras ao longo desse ano intenso.
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Dezembro
As cidades ficam iluminadas.
Luzes coloridas a lembrar-nos que é Natal
torna tudo mais bonito:
casas, praças, shopping centers...
E Papai Noel
(o bom velhinho)
cobra caro por uma foto com criança inocente.
Em dezembro as ofertas são muitas,
os comerciais a lembrar-nos que é preciso dar presentes
torna tudo mais intenso:
família, amigo-secreto, namorados...
E o crediário
(símbolo do nosso capitalismo selvagem)
apresenta-se disfarçado de 'espírito do Natal'.
Mas nem todos são iluminados pelas luzes de dezembro,
que piscam a lembrar-lhes que existe um abismo social.
A realidade mostra sua face no olhar sedento
ante a vitrine, ali mesmo, em frente à praça...
E criança que não paga
(dura lição que se aprende)
não tem foto com o velhinho mercenário.
Mas há um dezembro esquecido, uma história que não contaram.
Que Deus um dia desceu do céu, nasceu menino,
e chegando por aqui, sentiu a realidade:
Experimentou o lado cruel dos corações...
Ensinou que o amor é a essência
(“nisto sereis conhecidos, se tiverdes amor”)
e que atitudes valem mais que presentes.
Em dezembro as luzes podem não trazer alegria,
pode nada receber e nada ter a dar.
A noite pode ser de sonhos e lágrimas,
mas uma estrela brilha mais que as luzes coloridas...
Há um Natal
(“um Menino nasceu”)
e d’Ele brotam as fontes de amor e vida! (2)
---x---
1) BRANDÃO, Mauro. O Presépio do Menino Invisível. In: BRANDÃO, Mauro. Estórias de Alguns. Belo Horizonte: Letramento, 2024. p. 122.
2) LIMA, Jefferson. Dezembro. In: LIMA, Jefferson. Se For Poesia.... São Paulo: Delicatta, 2017. p. 68.
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Não sei dizer mais o que verdadeiramente vale guardar sobre a História do nosso país que nos ensinaram na escola. O que devemos valorizar sobre nossa cultura, depois que descobri o quanto de mentira há nos livros de História, o quanto se apagou da verdadeira realidade ao silenciar tantas vozes. Talvez a frase do vendedor de abacaxi, sobre sistema governamental, seja a fiel represente do lado de quem, como ele, foi colocado na história - o lado em que a moda inventada, não lhe cabe, não lhe pertence…
Namastê!
Jefferson, fiquei tocado pela forma como você transformou uma cena simples em reflexão sobre memória e significado. O contraste entre o esquecimento das datas cívicas e a força simbólica do Natal mostra bem como nossa educação e nossa cultura lidam de maneira desigual com o que deveria nos unir. O texto me fez pensar que celebrar só tem sentido quando sabemos o porquê, caso contrário, vira apenas rotina ou consumo.
Texto brilhante, Jefferson Lima!
Concordo que muitas datas precisaram ser mais estudadas, ensinadas e respeitadas. compartilho com você a ideia de que o Natal comercial e esvazia o verdadeirto sentido do natal da cristandade. ( eu já havia feito uma critica semelhante aos dias dos namorados neste mesmo blog.) Você nasceu no dia do Folclore, poderia, sim ser feriado. Eu nasci no dia Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento, Dia da Língua Nacional, Dia do Afilhado (talvez por isso eu tenho mais de 40, contando batismo, crisma, casamentos: Sacramentos, sem contar os de formatura.) e Dia Internacional do Chá; este não tem tanta importância. Mas ao citar Mauro Brandão, você me inundou de saudade: saudes…
Execelente conexão entre as duas datas que me fez pensar:
Se na comemoração do dia da República pensarmos no sentido efetivo de um governo que representa o anseio popular e nos organizarmos para exigir que se cumpra. Talvez os sonhos natalinos de confraternização e redução das desigualdades sociais se realizem.
Que texto envolvente, reflexivo e terno. Eu sou uma entusiasta desta data natalina , ela é exatamente essa parada no tempo para recarregar o coração com esse combustive maravilhoso que é o amor. Parabéns Jefferson!