FOFOCAS…MAS LITERÁRIAS E EDIFICANTES | OVO-PRESENTE
- ILMA PEREIRA
- 19 de mai.
- 2 min de leitura
Para hoje, uma singela crônica.

Recentemente, minha filha fez 15 anos. Não quis festa; embora seu pai e eu quiséssemos, ela foi irredutível: queria um celular, apenas um celular.
Dito isso, rumamos para uma loja famosa no shopping, após pesquisa prévia na internet. Oh! Benditos tempos modernos! Roubam-nos o convívio direto com nossos semelhantes, mas poupam-nos da “bateção” de pernas na pesquisa de preços. Tão fácil foi a transação, dinheiro pra lá, produto pra cá, que me peguei pensando no abismo deste para um outro aniversário de quinze anos, tempos atrás...
Acordei sendo observada por um belo par de olhos azuis tão profundos como as hoje desconhecidas pedras de anil. Eu dormia num recém-adquirido beliche, após anos dividindo uma velha cama de casal com minhas irmãs. O beliche era o símbolo da minha independência juvenil: uma cama só para mim. E eu dormia no andar de cima, com visão panorâmica da movimentada vida dos insetos que habitavam o forro de bambu do teto do meu quarto.
Era a minha mãe que me observava. E eu percebi, pelo brilho de seus olhos, que ela estava feliz ou tramando algo. Enquanto bocejava, tentava imaginar o que poderia estar acontecendo para deixar minha mãe naquele estado de excitação que não lhe era comum. Não tardei a descobrir o motivo de tal inquietação.
– Feliz aniversário de quinze anos, filha! - bradou ela. E estendeu-me o único presente que nossas modestas posses permitiam: um ovo!
Num primeiro momento não quis acreditar: um ovo de presente, de novo! Todo ano a mesma coisa! Como mamãe, que não trabalhava fora, não podia nos comprar um presente e nem sempre comíamos carne sempre, no dia do nosso aniversário ganhávamos um ovo extra, fruto do nosso galinheiro providencial. Esse ovo comíamos nas horas menos convencionais – às nove horas da manhã ou às três horas da tarde – só para fazer vontade nos irmãos, que não podiam comer um segundo ovo no dia, só o aniversariante, mamãe era taxativa. Ao ver minha cara de decepção, minha progenitora completou à guisa de desculpas:
— Filha, gostaria de te dar um bom presente de quinze anos, mas você sabe que não posso. Então aqui está o primeiro ovo do dia: um ovo azul!
Esticou-o para mim, peguei-o maravilhada! Ovos azuis eram uma raridade!
Desci da cama com meu pequeno prêmio espremido na mão esquerda e sentindo-me a última Coca-Cola do deserto. No minuto seguinte, já estava azucrinando meus irmãos, dizendo-lhes como eu era importante: só eu, naquele ano, havia ganhado um ovo azul...
Minha filha me arrancou de minhas reminiscências.
– Vamos, mãe, o celular já está habilitado.
E eu saí, com um misto de nostalgia e felicidade. Hoje, posso fazer para minhas filhas o que minha mãe sempre quis: comprar um presente.
Mas o que mamãe me deu, não há dinheiro que pague nem presente que lhe faça frente: buscar, no meio do nada, de uma vida desprovida de tudo,algo que simbolizasse o amor verdadeiro, representado naquele singelo ovo-presente.
Não se esqueça de deixar um comentário, e seguir nossas redes sociais:

Sensacional! Beijocas, Carla Kirilos
Ilma, seu texto consegue traduzir a sensibilidade das mães, sejam elas pobres ou ricas, mas que têm amor no coração. A publicação, justamente no mês das mães, é um chamado para refletir sobre como o ser mãe é uma missão sem par. Parabéns pelo cuidado ao escrever esse texto tão valioso.
Este é daqueles textos que faz a gente passear nas palavras e entrar no cenário que ele nos apresenta com riqueza de detalhes. Um texto que nos faz sentir a verdade na narração e traz a reflexão de que, afinal o que realmente importa é a "história" inserida no momento, no presente que recebemos e na vida que levamos.
Sua escrita como sempre, envolvente. Parabéns!!!
Não há presente melhor do que aquele que é dado com amor! Guardadas as proporções, para a sua filha, um celular também significou mais do que a mais bela das festas. E seu texto é a cereja desse bolo!