RODA VIVA, RODA DA VIDA
- TEREZINHA ARAÚJO

- 13 de jun.
- 3 min de leitura

Outro dia, estava ouvindo uma pessoa que disse: “tem dias que a gente se sente como quem não sabe para onde ir, uma falta de sentido, um mal estar sem razão aparente, um vazio, e por mais que se faça nunca está bom...” me fez lembrar da música Roda Viva de Chico Buarque (1967):
“Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá”
Essa música representou um grito artístico e político contra a repressão e a violência vivida no Brasil durante o regime militar. De forma poética e simbólica, denunciava a opressão, a perda de autonomia, e como a vida das pessoas era arrastada pela “roda viva” dos acontecimentos.
Mas e hoje, muitos não sentem que estão novamente à mercê de forças políticas, sociais e econômicas que avançam como uma engrenagem impiedosa? Não se sentem massacrados frente às crises institucionais, às pressões do mercado de trabalho ou aos ditames das redes sociais?
A letra ressoa fortemente em temas como desamparo, sensação de não pertencimento. A dor de não ser visto e reconhecido, sentimentos tão comuns nas relações rápidas e descartáveis que a sociedade atual impõe, um modo de se relacionar baseado em performance, utilidade e rapidez.
Na correria da vida atual, muitos estão mais preocupados em responder do que em escutar.
A música “Roda Viva”, ao abordar o sentimento de impotência diante de forças externas, se conecta profundamente com o mal-estar psíquico moderno, e a psicanálise pode ser uma ponte para compreender e superar esse estado interno.
“A gente vai contra a correnteAté não poder resistirNa volta do barco é que senteO quanto deixou de cumprir...”
Estes versos poderiam ter sido escritos hoje pois apontam para um desgaste físico e emocional que a maioria de nós vive. Não há quem não se queixe de uma constante exaustão, de quem tenta resistir ao ritmo acelerado e impessoal da vida. Os sentimentos de frustração são uma constante, a falta de sentido, a sensação de ter sido “arrastado” por uma força que foge do controle, a Roda Viva, a Roda da Vida, levando à alienação de si mesmo, no modo piloto automático, desconectadas dos próprios desejos e afetos.
O que a psicanálise tem a dizer frente ao sofrimento do homem contemporâneo?
A realidade do mundo do trabalho, marcado por profundas transformações, avanços tecnológicos, alta competitividade e novas formas de organização, impõe exigências psíquicas cada vez maiores, tais como: alta produtividade e ritmo acelerado, valorização do “fazer mais com menos”, jornada estendida (inclusive fora do horário, via e-mails e apps), culto à eficiência e à disponibilidade constante, insegurança e instabilidade (medo de demissão e rotatividade frequente), tecnologias gerando hiper conectividade e a consequente dificuldade de se desconectar.
E o que dizer das relações pessoais, tão superficiais, efêmeras, numa cultura do self, onde os vínculos humanos estão tão frágeis?
Vivemos contradições profundas, pois estamos como nunca estivemos tão conectados tecnologicamente e ao mesmo tempo tão emocionalmente distantes e carentes de vínculos significativos. O ser humano tem uma necessidade inegociável de pertencimento, afeto e acolhimento e como essas necessidades estão em falta, com certeza tudo isso tem enorme impacto na sua subjetividade, contribuindo para o mal-estar generalizado na hipermodernidade.
Temos escolha?
Freud já nos apontava que nossa capacidade de escolha é limitada pelo nosso inconsciente, que é quem determina nossa relação com o outro. Assim o primeiro outro a quem obedecemos é a nosso inconsciente, essa instância que guarda as marcas das nossas relações primeiras e da cultura na qual estamos inseridos e fomos constituídos.
A psicanálise vem assim nos ajudar a pensar o mal estar nas relações com o outro e com a cultura. Na sociedade do espetáculo (DEBORD, 2003) utiliza-se da necessidade de reconhecimento das pessoas, da dificuldade de lidarem com as faltas, com os conflitos pulsionais, inerentes a todo indivíduo, para gerar uma sociedade de consumo, na qual tudo e todos são descartáveis.
Vemos que muitas pessoas chegam ao consultório com o objetivo único de suprimir seus sintomas; anseiam apenas calar os conflitos, mas o processo analítico promove uma transformação mais profunda que vai além dos sintomas. Promove uma releitura de nossa história, uma nova forma de lidar com ela, com leveza e criatividade.
É no falar que nos encontramos com nossa essência, que descobrimos quem somos para além do que os outros dizem que somos.
O trabalho analítico nos leva a um encontro com o que nos afeta, acessamos o nosso modo singular, aprendemos a sair da posição herdada, para agir com nossos próprios recursos e assim sob um novo olhar, os nós vão se desatando para formar laços.
Não se esqueça de deixar um comentário, e seguir nossas redes sociais:






Quantas vezes trocamos a convivência real por conexões controladas? E assim, vamos caminhando de forma alienada e adoecida, nesta roda viva que gira a vida. Beijocas, Carla Kirilos
Terezinha, seu texto é muito atual e necessário. A "roda da vida" por vezes é impiedosa e, para quem não se cuidar, pode virar um "rolo compressor". A importância do tema é tanta, que recentemente a NR-1 veio regulamentar e expor a importância da saúde mental dentro das empresas. Abração!
Somente a capacidade de fazer uma releitura sobre as relações e os valores escolhidos é que nos salvará do turbilhão neurótico em que vivemos.
Namastê!
Falando nos encontramos ..
perfeito !