ODE LÍRICA AO DIA DOS NAMORADOS PELA ÓTICA DA BELEZA
- JOSÉ FRANÇA

- 18 de jul.
- 6 min de leitura

O dia dos namorados, no Brasil, é um momento bom para o comércio. Mas será que alguém se lembra de São Valentino, aquele homem bom que ouvia os casais juntos e depois separados, aconselhando-os? Após a conversa individual, ele entregava um presente para um oferecer ao outro, simbolizando o final das contendas e o início da paz. Vem daí a ideia de que depois da briga o amor é melhor porque é vivido no momento após a gentileza representado pela elegância do ato de se presentear.
O reconhecimento da amabilidade do outro inspirado pela ideia e pela prática ensinada pelo Santo e no “fazei isto em memória de mim” os casais continuaram a se presentear, mesmo sem o “pós briga”, só mesmo por gesto de amabilidade. A beleza desta ação atiça o corpo e alma e o que vem é regado de encanto, de magia e de prazer na sintonia dos mesmos desejos. E tudo aquilo que o impulso de dois corpos pode produzir, quando juntos, se propõem a mergulhar na essência mais paradisíaca e mais íntima do ser.
Mas em nosso país, o dia dos namorados é comemorado em outra data, praticamente quatro meses depois do Valentine's Day, no 12 de junho. Mas esta data foi escolhida pelo comércio, uma vez que fevereiro já tinha o carnaval, março, a Semana Santa, maio, o dia das mães. Junho, antes que as comemorações de Santo Antônio, São João e São Pedro, as populares festas juninas, ainda não desembarcaram nos grandes espaços urbanos, o referido mês, para os lojistas, era considerado fraco para as expectativas de lucro. Então, aproveitando que Santo Antônio, no vocabulário da crendice, era o Santo casamenteiro, unindo o útil ao agradável, achou-se por bem comemorar o dia dos namorados na véspera. O apelo consumista gritou alto e o mês do comércio em baixa elevou-se. Não se sabe se amor pegou carona no mesmo elevador.
A beleza nasce do simples, da simplicidade. O amor é inventivo, mas também habita os mais reservados solamas da singeleza, ou seja, inventar para se renovar no simples, mas sem se distanciar da verdadeira essência. Há uma música dos anos setenta com a letra sem grandes novidades e de um estilo que hoje é considerado brega, mas com uma forma muito despojada, fala que para viver o verdadeiro dia dos namorados é preciso criatividade, ao invés de ficar repetindo, ano após ano, uma cultura massificada em que se coloca o consumismo acima de qualquer sentimento esquecendo e, muitas vezes, desrespeitando as emoções genuínas . Veja o derramar do simples e o embriagar da originalidade nesta letra que celebra o amor e a união dos casais.
Hoje é dia dos namorados / Dia de festa para amor / Você pensou que eu tinha esquecido / Mais desse dia não esqueço não.
Hoje é dia dos namorados / Dia de festa para o coraçãoMe dê a mão e caminhemos juntos / Demos a volta pelo quarteirão.
Dar uma volta pelo quarteirão, quando se pode escolher um espaço sophisticare, que na origem já significa adulterado com má intenção, mas ao invés disso, escolher ver o que está acostumado. Esta forma de olhar desconstrói a teoria atual do “ver todos os dias a mesma coisa é não ver”. Esta atitude de caminhar várias vezes pela mesma estrada tem o sentido de enxergar com os olhos da beleza, ver pérolas no asfalto, diamantes no cascalho, ouro na lama, e maravilhas no cotidiano. É encontrar belezas e essências, como diz Florbela Spanka “No misterioso livro do seu ser, a mesma história tantas vezes lida.”
Todo casal de namorado precisa entender que se o livro do outro é misterioso, há, nele, a presença do sublime para ser descoberta, não com os olhos do novo, mas com os olhos do diferente. É lembrar que o amor, por ser amor revela fascínio guardado nas dobras do habitual, do contumaz, pois é dessa forma que se interpreta as suas infinitas definições, mas que nenhuma o define com exatidão.
Na atitude de quebrar a rotina, mas com medo da repetição, sem a capacidade de ir além da superfície do sentimento, um casal exausto de abrir as mesmas páginas, foi passar a noite do dia dos namorados em um motel luxuoso da cidade. A fila estava muito grande e, por isso, eles estacionaram no espaço reservado que o estabelecimento já organizava visando estas ocasiões. Como demorou desocupar uma suíte, os dois dormiram dentro do carro. Cansados das responsabilidades profissionais como estavam, só acordaram no outro dia. Além de perder a noite de amor, ainda chegaram atrasados ao local do trabalho.
Será que os dois, embalados pela data, não conseguiriam despertar o amor em espaços visitados sempre? Será que havia necessidade de um local diferente ou era só por influência da função conativa, tão cantada e decantada pelo discurso da publicidade? Por que não seguiram a orientação da música e, ao invés do motel chique, deram uma volta pelo quarteirão, observando as árvores, o ruído dos carros, os transeuntes desconhecidos?... Passear por um parque, sentar em um banco de alguma praça, ir ao cinema e ver qualquer filme que estivesse em cartaz? Ir a uma lanchonete e experimentar um suco com sabor exótico sendo o mesmo de todos os dias? Um prato com sabor diferente, mesmo sabendo que alimentar é uma prática diária? Seria divinizar em um momento o humano de todos os dias; eternizar nos refolhos do real o efêmero de todas as horas...
Programas há muitos, diferentes daquilo que todo mundo faz, por exemplos, pedir uma folga no trabalho, ir a uma cachoeira, principalmente, uma daquelas mais escondidas, onde é possível fazer um amor bucólico, deliciar-se no prazer campezinal, amar sobre a relva ouvindo o cantar dos pássaros, embriagar-se na melodia do Deus Pã. Quem sabe também viver a filosofia naturista pela perenidade de alguns minutos?... Fantasiar-se de pastores gregos: Marília e Dirceu. Transformar o espaço em Arcádia e, depois do amor, descansar no leito de trepadeiras como Júpiter e Juno e se banhar nas cascatas do Olimpo. Um banho para lavar a poluição do consumismo. Um mergulho para lavar a alma e incendiar o desejo.
É o momento da carnavalização no meio do ano. Que tal um banquete natural? Nesta etapa é a hora de enfeitar e se perfumar com as flores silvestres. Nesta época, é comum encontrar algumas flores para enfeitar os cabelos do ser amado como Ipê-roxo, Ipê-amarelo, Catuaba branca, Escada de Jacó, Coroa de Rosas, Autocura, Flor-Cobertor e tantas outras. No momento de cuidar da fragrância é só colher flores de Bálsamo, pois esta árvore oferece pétalas brancas e perfumadas que exalam um aroma agradável por toda a noite.
Após o amor e o banho é a hora do sagrado banquete, o momento do ágape, a comunhão com Eros, o deus do amor. Em junho é possível encontrar algumas frutas silvestres... Para esta mesa, na verdade, um altar, pode ser servida a Flor de Cipó São João, cujos cachos vermelhos metaforizam a cor rubra do desejo, mas não é só a cor, esta flor contém um delicioso mel, quando é arrancada da rama e serve de um alimento fino e raro, que pode se tornar um manjar para os amantes, regado pelo vinho da pureza, regozijo e júbilo. Assim como tantas frutas comuns no outono que amadurecem apetitosas, saborosas e substanciais.
Quem sabe, assim, São Valentino não ficaria mais feliz? Pois ações como estas listadas acima, longe de serem cafonas, são inovadoras, capazes de fazer brotar o divino e o maravilhoso das entranhas daquilo que é usual... Oásis e paraísos existem por todos os lugares, basta alguém ter coragem de procurá-los e olhos capazes de vê-los... Então é o tempo do epílogo:
Chegou o crepúsculo, vermelho, alaranjado, ou de cor indefinida, mas intertextualizada com a cor do corpo da pessoa amada. É a cor quente, associada ao elemento fogo, ao sangue e ao coração, intensificando a sensação de paixão e vibração do desejo, estimulando a ação e o poder de aumentar a taxa metabólica e a pressão sanguínea, refletindo a excitação física em um arco-íris de deleite. No contexto romântico todas as cores são carregadas de significados e simbolismos, uma floresta de metáforas. É só decifrá-las e desfrutá-las.
É a hora da comunhão com a natureza: o arrebol, a noite, a lua, as estrelas... E este conjunto é conhecido por felicidade. Se faltava a poesia, não falta mais.
A tarde caiu. A noite chegou. Os lábios entregues à lasciva viva do prazer. Dois seres isolados do mundo vencendo a morte misteriosa dos amantes sem amor. A natureza, quarto sem paredes, quintal da liberdade... As estrelas chegaram... e encontraram... anjos no mundo. Néctar e flor. A lua estava ali. O paraíso era ali. E nos meus braços eu a vi adormecer, tão íntima do prazer... Tão distante da dor.
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Para mim será sempre na simplicidade das coisas que viveremos os melhores momentos. Mais amor e menos glamourização, sempre! Abraços, Carla Kirilos
Para mim, amor não é sexo. Sexo é o encontro do amor. Amor a dois ( homem e mulher) é o ato mais sublime, íntimo, confiança e fidelidade de ambas as partes na vida de quem ama. Pena que é confundido com asneiras, falta de respeito, ignorado com posse e muitos, às vezes, fazem vinganças brutais, levando à violência e até à morte. Nasceu do criador. Deve ser valorizado.
Ah!Mas eu achei lindo dormir na fila, dentro do carro, aguardando a vaga para entrar no motel, no Dia dos Namorados. Foi muito especial e, com certeza, inesquecível para os dois.
O especial talvez seja a forma como as coisas acontecem no mundo íntimo do casal, dentro de um contexto que parece ser tudo tão igual.
Que o amor continue pegando carona no Dia dos Namorados.
Namastê!
E para além do comércio, seja no inverno aconchegante de junho ou nas flores primaveris de setembro, qualquer dia pode ser "dia dos namorados".